domingo, 10 de abril de 2011

O adorador de Hipopótamos.

Andava pela rua, descalço. Conseguia sentir em seus pés imundos cada pedra perfurar-lhe a sola. Sentia o sangue se esvair por elas e formar um pisar melado e gelado. O vento frio batia contra sua pele branca, tornando inútil sua única camiseta branca. Não sentia nada. não conseguia sentir nada, não se permitia sentir nada.
Ele se condenava
Condenava-se pela troca, por trocar o certo pelo duvidoso. Por pensar que iria dar certo com.. aquilo! Mas, condenava-se principalmente pelo estado de lástima, de pesar e de dor lascinante em que deixou o outro. Jurou que sentiria cada dor, que derramaria cada lágrima e ouviria cada grito que ele desferiu em agonia pelo acontecido. Jurou que teria que sentir em mesmo grau e intensidade a dor que causou. Assim o fez.
O abandono e a solidão em torno de dois anos foram uma experiência incrivelmente insuportável. A cada momento sentia falta, falta pelo que abandonou. A cada momento pedia, para que um dia isso pudesse ser revertido. Em todo momento, desde quando acordava, ou até quando se utilizava como objeto a terceiros.
Continuava sua mórbida caminhada rumo ao nada, ao vazio. Não sabia onde queria chegar, e tampouco sabia quando iria parar. Prendeu-se tanto em uma lembrança, em um erro, que parou seu tempo por isso. Sabia que tinha que sofrer, muito. Mas não sabia quando iria acabar, nem como iria acabar.
Quando teve a idéia de dar meia volta e voltar até o início, o destino lhe estende a mão e lhe diz gentilmente que não havia necessidade da pena ser cumprida. Pois erros são humanos e todos os cometem, porém o que se faz, se paga. As duas partes de um erro que envolvia três pagaram caro por isso. Um, a solidão, o remorso, e a tortura psicológica por dois anos. Outro, a perda do que mais deu valor por um erro brusco e um ardente desejo de vingança.
Assim dito o destino, vestiu sua capa cinzenta e se misturou junto a brisa na qual havia vindo, deixando a vista do garoto apenas a pessoa que a importava. Incrédulo estava naquele momento, se estava alí, significa que em algo havia acertado.
Então pela terceira vez na sua vida, ele retirou uma chave rústica de prata de seu bolso direito e abriu seu coração. Fez este gesto pedindo perdão do fundo de sua alma, deixando ciente de todos os seus desejos, felicidades e temores. Deixando-o ciente de que ele e apenas ele importava. De que ele era, é, e continuará sendo o centro gravitacional de seu mundo até que o ar abandone seus pulmões, e de que a pressa não o afeta em nada, pois por ele o tempo torna-se um grande companheiro de xadrez.
Ele, por sua vez, aceitou seu coração de bom grado, o guarda num lugar até outrora desconhecido e inimaginavelmente lindo: seu próprio peito, uma vez dilacerado por este meso coração que agora reside ao lado do seu.
Após os dedos se entrelaçarem mais uma vez, todas as juras tornaram-se válidas. Todos os carinhos tem direção certa, toda a certeza reside alí, pois sabe que não é eterno posto que é chama, mas que pode o fazer longo e inesgotável até subirem a morada Dele. E após isso, apenas uma palavra foi dita: Recomeço.

Um comentário:

Guilherme Navarro disse...

Fiquei com o olho estatelado do início ao fim. Adoro quando isso acontece e é bem raro, tenho a vista preguiçosa. Mais um belo espécime!

Tá sumido, criança.
Abração!