segunda-feira, 28 de junho de 2010

Looping.

O garoto andava.
Onde ele estava, ele não sabia. Como chegou alí, também não sabia.
Apenas tinha vontade de andar, até suas pernas reclamarem do ritmo, tinha vontade de andar, apenas por andar. Vontade de andar, para ver se esquecia.
Lembrava-se de uma pessoa. Junto desta, o quanto ela lhe fazia mal. Resolveu apagar a força, ao invés de entregar a situação as delicadas e macias mãos do tempo. Se divertiu, conheceu, o dois se tornou um, e tornaram-se dois novamente, repetidas vezes, por repetidos meses. Cansou. Simplesmente amassou a página e a atirou, sem relevar consequências, sentimentos e corações. Sentia-se completo, sentia-se feliz.
Meses a fio, apenas divertia-se. Sentia-se querido, de alguma forma. Não pensava, deixava seu instinto dominar. Cansou de tudo isso.
Buscava o algo, buscava aquilo que todos tem, mas ele não tinha. Uma bela noite de vigília, alguém cantava. Encontrou o algo que buscava.
Do mesmo modo que querer não é poder, encontrar não é possuir. O alguém era distante, e por mais que o amasse, não podia toca-lo, senti-lo, ver o mais sincero sorriso em sua face. Por mais que o amasse, isso o consumia lentamente por dentro, entranha por entranha, nervo por nervo.
Novamente, ele se cansou. Por mais que amasse a voz, a dor era insuportável. Desistiu. Levantou-se e andou lentamente.
Progressivamente, ele aumenta o ritmo, de um andar lento, passa a uma maratona. A ferida cicatriza.
Ele volta a andar a esmo, com as pernas reclamando do ritmo do andar. Andando apenas por andar.
Ao longe, ele ouve uma voz.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Trinta gotas de nostalgia.

O garoto abre a caixa.
Uma caixa branca, em madeira. Simples, mas o conteúdo dela é o que realmente importava a ele.
Dentro dela, ele visualiza as mais variadas tranqueiras. Pega uma por uma, reflete. guarda mais uma vez.
Uma bola roxa de uma piscina de bolinhas. Lembrava da primeira vez em que dormiu na toca da raposa. A vez em que dormiu na mesa de um restaurante, cercado pelos melhores. Um alargador de 18mm. A primeira vez em que visitou a Catina, ele coloca a jóia em seu dedo mindinho e volta a vasculhas as memórias.
Se depara com outra caixa. feita de papel, um pouco ralada nas bordas. Abre. Encontra um nariz de palhaço, uma aliança e um pedaço de papel.
Ele sente a chaga doer mais uma vez, fecha a caixa e a coloca de canto.
Três folhas e um dado. Dias muito bons com pessoas muito simples, que acrescentaram valores inestimáveis a vida dele. Uma fita de cetim rosa, ainda perfumada. A primeira vez em que a raínha do negro absoluto vestiu cores. Uma pedra, simbolizando suas crenças até agora. Uma gravata amarela, de seu melhor amigo loiro de quatro patas.
Uma a uma, ele coloca as coisas em seu devido lugar dentro da caixa. Se surpreende, a caixa, apesar de tamanho mediano, era grande, mesmo com tanta coisa em seu interior.
O garoto volta a seu gélido leito, deita-se e alí fica.
Talvez ele pensasse que devesse viver mais, e assim preencher a caixa. Talvez ele pensasse que é pouco, mas, por ser o que ele é, por ter sido o que ele foi, por ter feito o que fez, é o melhor.
Talvez ainda estivesse pensando na bola roxa, ou nas três folhas. Talvez.
O telefone toca, o garoto é despertado de seu transe. Um desejo sincero de melhoras, uma pessoa que é necessária a vida dele. Por mais que ele teime, ele não é só. O garoto, apenas deve aprender a se relacionar.
Ele adormece, uma lágrima contorna suavemente sua face e morre no azul do travesseiro. Ele não nota, mas ele sorri.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Devaneios Enfermos.

Ele acordava.
O garoto sentia-se na pele de seu avô. Deitado, em uma cama, sem forças. Não conseguia pronunciar uma palavra, a garganta dilacerada o impedia. Não conseguia tossir, o peito comprimido e dolorido não deixava. Não conseguia pensar, o cérebro estava sobrecarregado, e não sentia, pois o coração deste havia morrido.
Alí, ele admirava o tom púrpura do lençol de sua cama, que contrastava com o azul de seu travesseiro. "Lindas cores para se usar quando se está quase morto" - pensou o garoto. Ironizava, e tentava buscar um pouco de humor aonde não havia. Afinal, aquele era o garoto, apesar de tudo, sorria.
Mas, aquela era sua cama, seu quarto, seu mundo. Não havia ninguém em casa, estava só. Então, ele delicadamente retirou o sorriso de sua face, e chorou, pela primeira vez em meses.
Agarrava o peito por cima do pijama, nunca, em nenhum baixo de sua vida se sentiu tão... só.
Ele o amava, sim, o amava. O garoto sabia muito bem das condições contratuais quando optou por ama-lo. E agora, está apenas lidando com as pequenas cláusulas da página 2/280. Doía, tudo. A falta de reciprocidade, a falta de conversas, a falta de tudo. Doía a distância, doía o modo com o qual havia pasado a última semana, doía o modo com o qual ele pensava sobre as coisas. Doía ele querer, e não ter.
Doía a falta de amizade das pessoas em sua volta. Doía a forma com que as pessoas o tratavam, doía a forma com que a família lhe via, doía a forma com a qual ele via as coisas, doía a solidão.
Sim, ele estava só, sem família, sem amigos, amores, caprichos e valores. Na realidade, a solidão estendeu a mão a ele, e eles passaram a conviver. Assim ela teria ele como interminável companheira, e ele, teria ela como prova para se lembrar que ele está vivo, e que teve um passado. Passado equilibrado, no qual ele podia fazer de tudo e ser quem quiser, pisar em quem bem entendia, conquistar prazeres e luxos únicos. Hoje, ele precisa aprender o valor de humildade, e conquistar o sentido de dignidade.
Isto é, se os remédios não o matarem antes.