segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Vomita, põe pra fora.

Teorizava ele, que todas as cordas e linhas que sustentavam sua mente entre uma parte física, uma imaginária, um mundo de probabilidades e todos os outros mundos que criou um dia, em refúgio da sua mente, foram bruscamente rompidos e um mergulhou no outro, de forma brusca e não organizada. A porta de sua casa passou a dar para o trabalho. A gaveta da sua mesa continha um aquário. O bolso daquele casaco que guardou para um casamento que nunca chegou, continha um bilhete para todas as suas respostas.
O cliché da súbita compreensão atravessou o corpo dele como uma seta disparada por sei lá, um hipopótamo chinês.
Cada merda cometida, uma após a outra, em um pequeno capricho da casualidade de tornaram reais. E tangíveis. Tão real quanto a expressão em sua cara e tão tangível quanto a pilha de exames em cima da cama. Doces pílulas, um dia vocês se tornarão chiclete.
Resolveu tomar um banho. A água que caia do chuveiro foi a mesma que usou para passar aquele café fraco, mal medido, que dividiram em duas xícaras e em um colchão. Depois de uma semana interminável em que provou de toda fuga e covardia do mesmo, concluiu que o café, de um todo, não estava tão fraco, e o banho, agradável.
Escolheu sua melhor camisa de botões, arrumou os cabelos pela primeira vez em anos, e foi calçar as botas. O couro das botas foi o mesmo que se atritava com o dele três vezes por semana em uma cama de solteiro. Que lhe dizia o que queria ouvir, e jogava migalhas de um banquete como se fosse o suficiente. O mesmo couro que amou um dia. Mas ele não estava mais ali, e as botas eram confortáveis, afinal.
Abriu a porta, cruzou a soleira, estantes e mais estantes com os mais variados títulos. Pegou qualquer um e leu a página. As mesmas palavras que utilizou por dez meses como ofensa e provocação a pessoas que não mereciam, enquanto dirigiam a ele palavras de tolerância, paciência e afeição. Enquanto ele mostrava o podre, mostravam o belo, num infinito contraste. Ao menos hoje ele sabe combinar as roupas e escolher um bom livro, como aquele em que as palavras ficaram agradáveis.
Fechou o livro assim que chamaram seu nome no consultório três. O mesmo consultório em que a última das peças do dominó caiu. Obrigado, casualidade.
Não entendeu nada do que o médico lhe disse, como se ele falasse um dialeto de aramaico narniano, e ele, português. pegou o exame e voltou para a casa, não o abriu. Fez todo um ritual e o colocou em cima da pilha com os demais na cama, e tirou um papel do bolso da calça: O dito bilhete com todas as respostas.
Leu o bilhete. Tirou um isqueiro de seu bolso direito, e o queimou. O gosto do tabaco nunca muda, afinal.

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